Na semana passada conversamos com o Antonio Mathias Rüdiger Verona do estúdio independente Ruve, sobre sua experiência com a localização do jogo MinosMaze. Foram apresentados alguns dos desafios que o desenvolvedor precisa enfrentar, caso esteja pensando em lançar seu jogo em vários idiomas.
Dando continuidade ao tema, entrevistamos Horácio Corral, que foi sócio-fundador do Tlön Studios e Diretor Executivo do canal de notícias Gamestorming. Atualmente, Horácio faz parte da equipe da Bookwire Brasil, a maior distribuidora de livros digitais do Brasil, que atende editoras como Companhia das Letras, Zahar, entre outras.
Além disso, junto da Escola de Tradutores e o patrocínio da Escola Brasileira de Games, Horácio ministrará, no dia 17 de fevereiro, o curso Introdução à Tradução de Jogos Digitais.
[OFICINA LÚDICA] Horácio, conte um pouquinho da sua experiência com tradução e como foi que você começou a trabalhar com isso na área de jogos.
[HORÁCIO CORRAL] Eu nasci em Buenos Aires, Argentina, mas cresci indo e vindo para o Rio de Janeiro, onde mora a família da minha mãe. Como muitas das crianças dos anos 90, eu cresci vendo seriados e filmes americanos. Aos poucos me interessei pela língua e fiz curso do idioma. Anos depois, quando comecei a minha vida profissional, trabalhei sempre (sem exceção) em cargos onde os idiomas, seja inglês ou espanhol, sempre eram essenciais. Traduções sempre fizeram parte do meu dia a dia profissional, em geral, apresentações e trabalhos mais informais como e-mails.
Pouco a pouco, fui me aproximando dessa área de maneira mais profissional, mas foi quando conheci Janaina – que se tornaria depois minha sócia – que entrei nessa área profissionalmente. Ela já trabalhava na área, tinha experiência e principalmente, contatos. Me especializei em traduções técnicas com foco em patentes, TI e conteúdo digital. A partir desse trabalho mais focado, eu comecei a procurar estúdios de jogos digitais que poderiam se interessar em traduções e foi assim que eu encontrei o projeto, no Kicktstarter, do Soul Gambler da Mother Gaia Studio. Embora já tivesse traduzido jogos antes, foi esse projeto que me permitiu trabalhar com maior profundidade em coisas como co-criação, transcriação e um pouco de game design também. Posteriormente, eu iria convidar o Caio Chagas, diretor criativo do estúdio, para abrir o nosso estúdio de jogos digitais, Tlön Studios, por onde o Soul Gambler seria publicado para os PCs no Steam e muitas outras lojas.
[OFICINA LÚDICA] Conversamos rapidamente sobre o processo de criação do curso que você está oferecendo sobre tradução de jogos. A maneira que você moldou a ideia com a contribuição dos alunos é muito interessante! Conte um pouco mais sobre essa troca de experiências.
[HORÁCIO CORRAL] Quando o André e o Marcus da Escola Brasileira de Games me apresentaram a ideia de dar continuidade a um projeto já existente de um curso sobre tradução de jogos digitais, num primeiro momento eu não soube se seria capaz de atender a expectativa deles e dos futuros alunos. Sou muito crítico com o meu trabalho e mais ainda com o investimento de tempo e dinheiro que as pessoas fazem em cursos. Não queria, sob hipótese nenhuma, oferecer um curso, uma introdução ao tema, pelo qual eu mesmo não estaria disposto a pagar e me sentir satisfeito.
Conversei com eles, pedi o máximo de informações sobre o projeto prévio para poder trabalhar dentro do escopo original. Fiz uma primeira versão do curso e apresentei. A recepção me surpreendeu, as pessoas gostaram muito. Notei que a maior parte do público estava composta de tradutores, estudantes de letras e de design de games. Enquanto o curso era realizado com apoio da Escola Brasileira de Games, ele ocorria de maneira presencial e havia um coffee break, já que é um curso longo, com 4 horas em média. Durante esses momentos e no final do curso, eu aproveitava para ouvir as opiniões, sugestões e críticas dos participantes. Aos poucos isso foi mudando o curso e tornando ele mais objetivo. Houve uma maior ênfase em como compreender jogos enquanto uma nova linguagem e nova mídia, foram acrescidos elementos como o MDA framework da Robin Hunicke, Marc LeBlanc e Robert Zubek, conceitos como os de narrativa emergente e transcriação foram refinados também.
Atualmente, o curso é oferecido em parceria com a Escola de Tradutores, ele ocorre no formato de webinar, onde ele é apresentado ao vivo e os participantes podem fazer perguntas e comentários, interagindo ao vivo. O curso já teve mais de 150 alunos e fico feliz em dizer que, a cada edição eu aprendo algo novo, com as perguntas, comentários e dúvidas dos alunos, o que me permite aperfeiçoar mais ainda o curso.
[OFICINA LÚDICA] Quais os maiores erros no trabalho de um tradutor que podem prejudicar a experiência de jogo? Na tradução para a língua portuguesa, tão complexa e cheia de armadilhas, incorremos em alguns problemas com mais frequência do que na tradução para outros idiomas?
[HORÁCIO CORRAL] A experiência do jogo digital é única e embora similar ao cinema em termos de narrativa, o jogador é quem, finalmente, define como será a sua experiência. Em um jogo de luta como Street Fighter ou Mortal Kombat, onde o jogador disputa um combate com um adversário, seja outro humano ou um computador, a experiência vem do domínio desse jogador das regras do jogo e os movimentos do seu personagem. A história é criada por ele, naquele momento, no apertar dos comandos e botões. O tradutor não pode ignorar a natureza única do jogo digital enquanto mídia, enquanto linguagem, e a narrativa que é criada segundo a segundo pelo jogador. Ele tem que compreender como funciona um jogo para poder saber que algumas palavras, ideias e frases podem vir a ter significado diferentes dependendo da situação em que o jogador se encontra no jogo. Conceitos como o da narrativa emergente são essenciais para um tradutor de jogos digitais.
O português é, assim como o castelhano/espanhol, um idioma um pouco ingrato para o qual se traduzir, pois ele não é tão econômico quanto o inglês, o idioma de origem de grande parte das traduções. Outro problema comum do português é a localização: Brasil ou Portugal? Eixo sudeste ou uma cultura geral do Brasil? Devo caracterizar os personagens com sotaques regionais similares aos originais (The Witcher 3 faz um ótimo trabalho nesse sentido)? Essas são perguntas, escolhas artísticas e de game design que todo tradutor deve fazer, se possível, em parceria como o criador do jogo. Um dos exemplos utilizado no curso é a discussão do jogo Castlevania: Symphony of the Night entre Drácula e Richter Belmont. A discussão original, em japonês, é um debate filosófico sobre a real natureza do homem, um tipo de debate comum em obras japonesas. A tradução, ou melhor, transcriação, para o inglês, transformou isso é uma troca de acusações e insultos crescentes que culminam em uma luta. Ambos os efeitos são excelentes e condizentes com o esperado pelos jogadores de cada cultura. Entregar, em parceria com o game designer, uma boa experiência ao jogador é a função do tradutor.
[OFICINA LÚDICA] Deixe o seu recado para quem se interessou em trabalhar na área e quer saber mais sobre o seu curso!
[HORÁCIO CORRAL] A indústria de jogos digitais é interessante, instigante e sempre desafiadora, por isso um dos objetivos do curso é oferecer um panorama do que acontece no mundo, o que acontece no Brasil e como você pode conhecer mais e participar desse mundo dos games.
Para quem tem interesse em tradução, abordamos porque a tradução de jogos é uma tradução técnica e qual é a linguagem e as ideias que você precisa conhecer para conseguir trabalhar na área, seja você já um jogador (gamer) ou uma pessoa que nunca jogou videogame.
O meu objetivo nesse curso de introdução é dar ao aluno ferramentas para entender o mercado, entender os games e saber como e onde o seu conhecimento e sua tradução, serão importantes na produção do jogo. A cada edição, o curso é aperfeiçoado para se manter sempre atual e focado em aspectos práticos. Você está convidado a conhecer esse mundo!
Você pode acessar o curso Introdução à Tradução de Jogos Digitais aqui, com 20% de desconto para quem citar a Escola Brasileira de Games!
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