Um jogo de plataforma 3D em turnos onde os poderes característicos das entidades da umbanda são utilizados para solucionar desafios: este é Inner Mazes – Soul Guides, produzido pela Ilex Games.
Conversamos com Marcelo Rigon e Caio Chagas a respeito dessa jornada de desenvolvimento.
[OFICINA LÚDICA] Qual foi o catalisador para vocês fazerem um jogo com entidades da religião de matriz africana? Como surgiu o interesse de vocês?
[Caio] No meu caso, o catalisador foi um guia espiritual meu que, na presença de uma mãe de santo, recitou o ponto cantado, desenhou o ponto na mesa e disse o seu nome. Tudo sem que eu soubesse do que se tratava. Na minha cabeça eu só estava contando a história de um chaveiro que abria um portão de ferro trancado com um cadeado de madeira. Mas toda vez que eu tentava falar “chaveiro” minha voz engrossava e saía “caveira”.
Então podemos dizer que, da minha parte, o catalisador veio de uma experiência pessoal e surpreendente com as entidades. Depois do episódio do chaveiro, eu que mal tinha ouvido falar de umbanda e candomblé, passei a perceber o quanto as religiões de matriz africana estão presentes na vida brasileira de uma forma oculta, que quem não conhece sequer percebe.
[Marcelo] Buscar temas nacionais sempre foi uma vendeta pessoal minha, que nem sempre se cumpria. Eu sempre estudei sistemas mágicos e crenças como um hobby meu, mas evitava a Umbanda, Candomblé e Quimbanda por preconceitos de um mestre que eu tive no passado.
Quando o Caio me trouxe a ideia de trabalhar com essa temática, conversamos um pouco e eu achei uma ótima oportunidade para fazer um jogo bacana com algo presente na vida do brasileiro e aproveitar pra desconstruir um preconceito de longa data.
[OFICINA LÚDICA] Quais foram os cuidados para abordar essa temática? Vocês encontraram alguma dificuldade ou preconceito, por se tratar de um tema ligado à religiosidade?
[Caio] Estamos tomando o maior cuidado porque, mesmo eu tendo experiência pessoal com umbanda, a minha experiência está longe de ser a experiência padrão. Os fundamentos variam bastante de casa pra casa e de terreiro pra terreiro, de forma que é preciso levar isso em consideração. Por isso procuramos a ajuda de uma especialista, a Janaína Azevedo, nossa consultora, que cresceu dentro da religiosidade afro-brasileira e tem 4 livros publicados sobre Umbanda.
Quanto ao preconceito, acho seguro dizer que esse tipo de dificuldade ainda está por vir. O projeto ainda não ganhou visibilidade o suficiente pra isso acontecer. O máximo é uma olhada torta de um outro colega desenvolvedor de games que é ateu fundamentalista e acha que é tudo uma grande bobagem, ou mesmo que jogos não deveriam abordar nada religioso. Disso eu discordo prontamente. A experiência mística está na raiz do surgimento dos jogos e a mística ocidental é amplamente abordada em games através de interpretações fantasiosas de magias, símbolos mágicos e rituais.
[Marcelo] Sobre os cuidados na abordagem, não tenho o que acrescentar às palavras do Caio. Sobre o preconceito, têm sempre os comentários de cristãos mais próximos dando “conselhos” de que deveríamos procurar outros temas melhores para abordar, mas é raro. Não diria que o preconceito tem a ver com religiosidade, mas sim com ignorância mesmo e justamente por isso, precisamos trazer esse tipo de conteúdo à tona. Tem vários youtubers, bloggers, grupos de pesquisas que comecei a seguir, focados nessa temática e isso tudo deve ajudar a reduzir esse efeito. O mais difícil é sempre o fanático, este não quer nem ouvir nada que seja diferente da própria opinião mesmo, seja religioso ou ateu.
[OFICINA LÚDICA] Quanto tempo o desenvolvimento do jogo levou no total? Como vocês distribuíram seu planejamento de trabalho?
[Caio] A primeira vez que uma versão desse jogo viu a luz do dia foi em 2015 durante a Global Game Jam, antes do Marcelo entrar como programador. Depois disso a ideia ficou adormecida até 2016 quando o Marcelo e eu trabalhamos juntos na Global Game Jam seguinte e acabamos fazendo um jogo de plataforma baseado em turnos. Juntando as duas ideias, começamos a trabalhar no projeto nas horas vagas com a intenção de levar para a Steam. No momento ele se encontra em Acesso Antecipado e deve permanecer em desenvolvimento por alguns meses ainda.
[Marcelo] A contabilização do desenvolvimento em estúdios indies pequenos é sempre complicada, pois há muitos contratempos e uma pessoa que fica parada é uma parte grande da equipe. O desenvolvimento real, eu diria que começou depois de 2016, quando decidimos abandonar o Once Upon a Tile feito na Global Game Jam e abraçar essa nova temática que conseguiríamos empacotar num jogo mais curto e interessante no início do segundo semestre de 2016.
O lado bom da equipe atual é que tanto o Caio quanto eu gostamos do Game Design, então temos reuniões quinzenais para alinhar o andamento do projeto e os dois trazerem novas ideias de mecânicas, adicionando ou reduzindo elementos para a produção de um jogo melhor. Sem isso seria muito difícil tocar o projeto com cada um dos integrantes em uma cidade e tão poucas reuniões. Fora isso, eu tento manter uma lista de tarefas no Trello para acompanhar o que foi decidido e ainda precisa ser feito até a versão final.
[OFICINA LÚDICA] Qual recado vocês deixariam para os desenvolvedores indies que estão começando e que já estão na ativa?
[Caio] Durante uma vida não temos a oportunidade de fazer tantos jogos assim. Se você for extremamente produtivo vai ser capaz de fazer 4 jogos por ano. Então faça com que cada jogo seja importe. Faça o que é importante para você.
[Marcelo] Meu mantra pessoal é “fracasse rápido”. Pode ser que você passe 10 anos trabalhando num projeto de vida e consiga finalizar e lançar, mas também pode ser que tenha perdido 10 anos e não atinja o que gostaria.
Se você é uma pessoa minimamente questionadora do que faz, achará que tudo o que você fez poderia ter sido melhor no final de cada projeto, pois você sempre aprenderá mais e se tornará melhor no que faz a cada segundo. Ao invés de ficar jogando no lixo jogos de 1 semana ou 1 mês, termine eles e guarde, nem que seja no seu próprio computador. Conclua a construção da experiência que buscava com o jogo antes de abandonar e ir para o próximo. As ideias, quase sempre, são muito mais atrativas quando estão só na cabeça e exercitar essa passagem para o real e o desapego de deixar outras pessoas brincarem com ela e julgarem é um exercício constante necessário para o game designer.
Inner Mazes – Soul Guides está disponível em acesso antecipado na Steam!